segunda-feira, agosto 27, 2007

A Panela

Este fim-de-semana tomei conhecimento, se bem que de indirecta forma de uma das maravilhas da tecnologia alemã. Não, não se trata de um carro mas de uma versão moderna de uma panela onde, segundo me apercebi, cabe uma cozinha inteira, sem descontar mesmo a própria cozinheira e, imagine-se, o gato que nos habituamos a ver nas cozinhas de antanho, deambulando em busca de uma restea de comida caída da bancada.
Segundo me foi descrito com um quase contagiante entusiasmo, o dito aparelho é dotado da mais diversificada capacidade culinária, podendo confeccionar praticamente tudo, desde gelados a tripas à moda do Porto (digam lá se estes Germânicos não pensam em tudo...?), em tempo recorde. No final do trabalho, ainda tem a capacidade, qual gato de que falava antes, de se lavar sozinha.
Foi-me descrito, que na demonstração, a dita geringonça, Bimby de seu nome (reservo-me a comentários maldosos sobre tal nome...), a bendita, foi capaz de produzir um delicioso gelado a partir de um pêssego e de uma maçã, uma estonteante limonada a partir de um limão inteiro e, para terminar a sua fantástica performance, uma lasanha. Tudo isto em escassos minutos.
Fiquei, num primeiro momento, em êxtase por tal invento libertador das donas de casa, condenadas a horas intermináveis de volta das panelas antigas e, depois do trabalho terminado, de roda dos aspectos higiénicos de limpeza da cozinha e respectivas alfaias culinárias. Estaríamos perante uma nova revolução feminista. Imaginava já, manifestações onde seriam destruídos, desta vez, não soutiens, mas trens de cozinha, símbolos acabados da escravatura caseira da mulher moderna.
Depois de apurada reflexão decidi que estávamos perante, não de uma maravilha libertadora do engenho humano, mas de um completo atentado à sua capacidade criadora.
Imaginei, sem dificuldade, Picasso, na posse de uma máquina idêntica, oferecendo-lhe tinta branca e preta e escrevendo num ecrã programático a palavra "Guernica"... Será que hoje nos poderíamos deleitar com a inimaginável obra do mestre? Será que poderíamos sentir, perante a tela o horror do bombardeamento da cidade pela aviação Alemã? Seria possível "ouvir" os gritos gravados naquela impressionante criação? Não, jamais.
Pensava tudo isto enquanto me debatia com a tentativa alquímica de produzir um bacalhau à Brás a partir de um conjunto de ingredientes prévia e cuidadosamente seleccionados. Ia cozendo as lascas do peixe e picando a cebola e alho, imaginado os passos que teria de seguir para que a minha obra elevasse as papilas da minha boca e os ácidos do meu estômago. Depois poderia avaliar do sucesso ou fracasso (como foi o caso) do mesmo, aprendendo com o velho método de tentativa e erro, a evoluir nessa antiga e nobre arte de cozinhar. Evoluir, tudo se resume, no final a isto!
Meditava que cozinhar é o mais próximo que podemos aspirar, nós, os comuns, aos processos de alquimia da idade média. Buscando a partir de ingredientes isolados, o ouro de uma mescla de sabores que nos encham a alma e nos despertem os sentidos (curiosamente, da alquimia, surgiram algumas técnicas hoje utilizadas diariamente nas cozinhas de todo o mundo, como por exemplo o conhecido "banho Maria". Talvez dentro de anos tenhamos um banho "Bimby"...), no prazer que dá ver surgir a "obra", que pode ser um simples ovo estrelado. Confeccionar um prato de comida é como imaginar, fazer e gerar um filho (perdoem-me se isto vos parecer um pouco antropofágico. Os filhos não se comem...apesar de, algumas vezes, depois de crescerem, nos interrogarmos porque não o fizemos em devido tempo...). Primeiro imaginamos como vai ser, que tipo de pitéu desejamos nesse dia, assim como imaginamos se preferimos que o rebento seja menino ou menina, louro ou moreno, etc. Seguidamente buscamos, cuidadosa e afincadamente os ingredientes que iram compor a obra, que é como quem diz a mãe que o há-de gerar. Finalmente construímos o ambiente de criação dispondo na bancada da cozinha todo o que precisamos para a obra que vai nascer, do mesmo modo que preparamos o ambiente para gerar o fruto da razão e do coração.
Então, perante tudo isto, aplicamos o mais precioso dos ingredientes que maquina nenhuma é capaz de criar – Amor. Disse um dia o poeta (ao que consta sem auxilio de engenho nenhum artificial) que a obra é o resultado do sonho e eu imagino que tal seja verdade, quer para um filho como para um cozido à Portuguesa (perdoem-me mas não sei que conhecimento têm os alemães acerca do cozido à Portuguesa...), e isto está vedado a circuitos eléctricos e programáveis de uma qualquer máquina, por muito...Bimby que seja.
Não, não me roubaram o prazer de ir misturando ervas e molhos, de imaginar o esplendor final do processo criativo (que no meu caso é limitado), de ir misturando todas as pitadas de sabores com o amor posto na confecção, sentir o prazer dos meus amigos a deliciarem-se com o meu trabalho, transformando o meu no seu prazer. Recuso dar uma invenção qualquer os louros dos elogios no final do repasto e do convívio que serviu para unir gerações.
Não busco estrelas Michelin (Quantas terá a "coisa"?), procuro somente o prazer da cozinha, como outrora buscavam os sábios, o prazer do laboratório. Construir sabores, exercitar os sentidos e a mente, misturando tudo com pitadas de afecto.
Pois, assim sendo está decidido, não cederei, neste campo aos avanços da técnica! Poderei ser antiquado mas ao menos saberei reconhecer nos olhares alheios o fruto do meu esforço em esgares de aprovação ou condescendência. Depois, alguém que arrume a cozinha se faz favor que o guerreiro merece descanso.

1 comentário:

Cristina Paulo disse...

Meu querido, deixa que te diga que a Bimby é mesmo uma verdadeira maravilha para quem tem que cozinhar todos os dias. Principalmente se a mesma pessoa que cozinha é também a que limpa, arruma, lava, estende, passa, passeia o cão, muda a fralda, etc etc :D O que não invalida que se continue a cozinhar refeições especiais com muito amor e feitas á antiga nos tachos e panelas ;) Mas que dá jeitinho dá...não a mim, que não tenho nenhuma mas se alguém oferecer...lol
Bjos meus