quinta-feira, julho 26, 2007

Carta Aberta IV

Perdi-me no tempo! Perdi as memórias que me levavam até o teu corpo em chama. Perdi a força para reclamar o que senti ser meu por direito de te amar.
Não tenho tempo para te mostrar os equívocos que sustentas nessa permanente roda morta de sentir. Não, não tenho mais palavras para desenhar em teu espírito o quadro límpido da minha existência. Não, não existe em ti mais espaço para o rasgo de loucura de que é feita a vida e dela se alimenta a paixão, porque, há muito ela partiu para outros mares. Não existe mais dentro de ti a vontade para o abraço, a cumplicidade.
Partiste. Levas-te contigo razões que só tu entendes e alimentas com humanos medos que recusas enfrentar. Carregas a esperança que semeas-te mas que não te pertence, é minha! Foi-me roubada do peito, da alma, do querer! Partiste enfim rumo a um outro destino que desconheço mas de onde não faço parte, como não faço já parte de ti porque me expulsaste como se expulsa o cão que nos estraga as flores do jardim, buscando um espaço para se deitar!
Tínhamos tudo. Jaziam a nosso lado os escombros de um passado sob o qual se haveria de construir, pedra a pedra, com o suor do desejo, um sólido presente. Mas não houve tempo, porque nunca há tempo quando não existe a vontade que o amor nos oferece. Porque o tempo escasseia sempre a quem não sabe pegar numa mão, ter a calma para escutar e percorrer caminhos lado a lado. O tempo é algo que nunca existe quando não existe espaço para ele correr e com ele nos levar. Porque o tempo não se compadece de quem faz do passado seu presente. Ah o tempo, o tempo...
Tínhamos tudo recomeçado, como duas crianças que aprendem a ler, a juntar as letras, que vão construindo as palavras dos textos da vida, mas os livros foram arrancados e jogados na fogueira das nossas fracas vaidades.
Tínhamos tudo menos o direito de recusar o que nos foi oferecido como Graça de um Deus maior. Foste a minha maçã e eu a tua serpente (ou vice versa, não sei) e juntos cometemos o pecado capital que nos fechou a porta do paraíso.
Sei que vou passar os dias neste porto donde partiste esperando ver-te chegar de surpresa. A alma é assim, custa a acreditar na dura realidade que a fere. Tem medo do escuro depois de ter vivido na luz. Sei que vou ainda ter esperança e que a vou matando pouco a pouco, não sabendo contudo, se a mato para sobreviver ou se, aniquilando-a, me acabo também pouco a pouco.
Sei que os dias se vão suceder e em meu peito vai nascendo um deserto de impossíveis oásis.
Sei de sobra que não vale a pena esperar e que, nessa espera sem sentido, me vou consumindo, esvaziando em choros inúteis e patéticos enquanto tu, lá longe ris, talvez zombando deste pobre mosquito que agoniza na tua teia. Jamais recordarás o prazer de rir-mos das coisas inúteis, de, como duas crianças brincar-mos junto ao mar! Tudo isso permanentemente possível e irremediavelmente tornado nada, feito indesejo. Onde está a minha Luz de outrora? Que nova lamparina a acolhe?
Sei que a solidão vai ser minha fiel companheira no suceder entediante dos dias. Um após outro, irremediavelmente iguais, insuportavelmente vazios, simplesmente ridículos como eu!
Mas sei também que depois de um túnel talvez exista uma luz. Sei que talvez deseje partir rumo a outros destinos onde possa tentar me encontrar, ou somente esquecer onde me perdi, esta dor que todos os dias me desperta em incontidos espasmos .
Amei, como nunca amei, perdi na mesma proporção desse amor. Cresci como nunca tinha crescido antes e, hoje, nada mais resta de mim que um simples grão de mostarda, pequeno e amargo. Quis correr, mas no campo aberto, que ilusoriamente me foi oferecido, construíste um muro de espinhos onde me esbarrei e onde sangro grossas gotas de mágoa.
Se não é o tempo que tudo cura mas sim o amor, então que se não me morra a esperança de ser curado. Que se me cresça ainda a capacidade de esquecer!

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