quinta-feira, maio 31, 2007

Estória I



Era uma vez, que todas as estorias começam assim, um Destino. Era um Destino que se vivia calmamente como outros tantos Destinos deste mundo. Caminhava pela vida sem grandes percalços, ou deixava a vida caminhar por si, tanto faz. Era contente, luminoso e, contudo incompleto.
Sentia o Destino que lhe faltava qualquer cousa, talvez um outro Destino com quem pudesse conversar sobre as cousas, as flores, os caminhos e o mundo. Um outro diferente Destino que completasse o seu modo de caminhar pela vida, ou deixar a vida caminhar por ele, tanto faz. Era incompletamente feliz, mas despreocupado que o mundo dos Destinos é assim: Destinados a si mesmos.

O Destino vivia numa cidade perto do mar. Esse mar que lhe tomava tempo em múltiplas contemplações onde se imaginava, invariavelmente, a conversar em silencio com o outro Destino de seus sonhos.

O Destino que o Destino imaginava, não tinha rosto, embora fosse belo, não tinha perfume, mas continha em si o aroma do amanhecer, o cheiro da terra húmida. O Destino pelo Destino imaginado, não tinha forma nem textura mas era, seguramente a mais bela escultura da natureza feita da mais pura e fina seda. Não tinha sabor e, contudo, sabia a maresia, chocolate ou um outro qualquer gosto vindo de um outro qualquer mundo de onde vêm os Destinos. Era assim o Destino que o Destino imaginava. No fundo, a sua outra metade!

Era este nosso Destino, um vulgar destino humano, sem grande ou invulgar beleza. Um Destino ás vezes alegre, outras vezes melancólico, vagueando sozinho pela vida (embora não o soubesse...), ou deixando a vida vaguear por ele, sozinha também, tanto faz. Sentia-se resignado na sua esperança, que um dia lhe tinham firmemente garantido que os Destinos, quando existem, e sempre existem, estão destinados a encontrar-se.

Um dia, estava o Destino em convívio semi-ausente por ocasião do celebrar do passar da vida por um outro Destino, ou desse pela vida, tanto faz, quando o espaço se transformou num outro espaço e o tempo em ausência de tempo! Estava ali o Destino a que o Destino de destinara em imaginações férteis, nos dias passados junto ás ondas, ou perto do fogo de uma qualquer lareira.

Era um destino provido de um sorriso capaz de contagiar a tristeza que por vezes sentia, o mais belo sorriso que um destino pode conter. Seus cabelos lembravam os fios das algas em que tanto gostava de se deleitar nas ondas da praia. Seu cheio trazia até si a lembrança da maresia de todos os mares do mundo (não que os conhecesse, mas imaginava) e seus olhos escuros eram como duas pequenas grutas rumo directamente a alma que haveria de se descobrir feita da mesma luz que invadia o espaço, como se da origem do próprio sol se tratasse. Não era um Destino com quem o Destino se tinha imaginado, era o destino do próprio Destino.

Tinha esse Destino, no entanto uma qualquer cousa de incompleto também. Sua luz áurea não era de um brilho total mas possível, seu olhar era assustado e sedento embora vivo e atento. Era, sem duvida, também, um Destino ainda não destinado. Um Destino sem tino e sem rumo, perdido em busca de qualquer algo. Nisso, estes Destinos, eram coincidentes!

Muita vida foi passando por estes Destinos, ou o contrário não importa que esta estória não servirá para revelar segredos, e os Destinos, pouco a pouco, foram-se unindo, conhecendo. Cada vez mais se confundiam atrapalhando as palavras um do outro, roubando discursos mútuos numa telepatia que somente Destinos destinados são capazes. Pensava o Destino no outro a espaços, sentindo-o crescer dentro de si como uma planta silvestre que nasce onde o destino larga a semente. Pensava o Destino como se sentira o outro Destino que habitava longinquamente e vivia, contudo tão perto. Sabia que aquele Destino não estava só, habitava com a solidão, e isso entristecia o seu olhar como muitas vezes acontecera, nas tardes passadas frente ao mar.

Contudo, ao longo do tempo, quis o Supremo Arquitecto dos Destinos, os Destinos foram, sem se aperceber, fundindo. Cada vez mais eram menos dois Destinos separados, mas Destinos habitando agora o mesmo espaço ao mesmo tempo, crescendo em harmonia, cumplicidade e em vida que agora corria em comum pelos dois, ou os dois pela mesma vida, que importa!

Um dia, de repente, não somente mais que de repente se considerar-mos o tempo que pode durar um destino, os Destinos dessestinaram-se em convulsão mutua. Estranhamente, continuavam metafisicamente unidos, cúmplices nas horas, mas não mais se partilhavam como dantes. Estranhamente, repentinamente, viviam de costas voltadas, como dois siameses que teimam em não aceitar a sua condição que os une indefinidamente para o melhor e para o pior. Quis o destino, ou a maldição que ambos se intolerassem no mesmo mundo. Que os gestos de um fossem a afronta do outro. Não mais viam claramente, como outrora que, mesmo agora, eram, cada um parte do outro. Destinos mutuamente destinados.

Vivem hoje na dor da ausência. Vive hoje o Destino novamente perdido nas areias da praia sonhando com as maresias que o Destino lhe deu, com as algas do seus cabelos, com a profundidade reconfortante dos seus olhos. Sonha, o Destino, com um regresso mil vezes adiado, com uma esperança cada vez mais desfalecida. Somente sonha, o Destino, incompleto, com o Destino que o destino lhe roubou.
O Destino é hoje um espaço vazio onde pouco mais que a memória habita. A memória das tardes e noites conversando em silencio, do amanhecer com o cheiro a maresia, com o calor de mil trópicos nas noites de Inverno. Recorda hoje, com inegável saudade, o Destino, todas as horas boas e más, longas e curtas, que fizeram o caminho incompleto por onde suas vidas passaram, ou eles por suas vidas, que interessa? Deseja hoje o Destino poder, um dia, voltar a encontrar um leito feito de algas mar e rocha onde suas sementes de humanidade possam novamente germinar. Onde se complete como Destino que é. Onde se descubra em cada amanhecer do destino.

Continuará esta estória, quando e como o destino quiser que os Destinos queiram, até que termine, como todas as estórias: "E viveram felizes para sempre!"

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