segunda-feira, fevereiro 08, 2010

Uma biografia

Quando nasci, roubado ao ventre de minha mãe,

O dia foi simplesmente igual ao dia.

Tudo inalteravelmente de passagem como tempo.

Chorei como choram todos os que ao mundo são lançados,

Por fado ou por maldição divina, não sei.

È esta a minha essência: nascer chorando em cada gargalhada.

Lisboa que me acolhe e em sua luz me recorda os portos de outrora,

Quando corria pelos jardins, ou montava aquela bicicleta amarela.

Não, não me urge a saudade, nem me assalta a esperança desse tempo.

Cada cousa é na outra destinada e aqui me contemplo em anos vividos,

Sonhados…sonhados sobretudo.

Cresci vendo a natureza na linha continuada de mim.

Uma flor ou um dia de sol são o reflexo do mesmo sorriso que largamos ao vento.

A chuva, as grossas lágrimas de mar que nos lavam a alma.

Tudo é uno, separadamente uno, como unas são as mãos que me não abraçam

Cresci sim em tempo e desgraça e riso e pranto e tudo o que á humanidade reclamei.

Banhei-me em águas santas e fiz da ilha minha morada, eternamente!

Sim, sou louco! Mas consciente dessa loucura a que chamam sem senso.

Ao longe recordo-lhe os olhos de mel que em silencio me chamavam,

Com os mesmos passos calmos com que chegava e com que partiu.

Esqueci já em mim aquela manhã em fui parido em torrentes de sangue,

Recordando o rio salgado onde me perdi.

Sou hoje uma virgula no paragrafo do tempo, um apontamento de rodapé,

Neste desvario de vontade e saudade e desencanto.

Ignoro o passado, desconheço o presente e urge-me a doce lembrança do provir.

2 comentários:

amiguel disse...

Muito bom !! ... será pouco...
Parabéns
Beijo

Lua crescente disse...

Fascinante. Repito: fascinante.