quarta-feira, outubro 29, 2008

(Des)Norte

Percorro calado as ruas frias da pequena cidade a norte.
Silencio bebido em cada passo no granito da calçada. Tudo aqui é calma entrecortada pelo passar dum carro, o ladrar longínquo de um cão, pelos gritos do meu pensamento em busca a liberdade.
Gosto deste cheiro que inunda o ar de Outono. Cheiro a lenha e da humidade quente que me transporta a mil recordações de tempos antigos quando, de mãos entrelaçadas, percorria estes mesmos silêncios. Com olhos cheios de esperanças que o tempo afastou.
Gosto destas ruas de falsa dureza. Aqui o cinzento mistura-se com o alvo das paredes e os campos nunca deixam de ser verdes. Aqui a mente ganha asas e pairo sobre os meus próprios abismos. Aqui lembro os momentos em que na vida fui feliz, reflectido no olhar de alguém. Nesta paz enfrento as minhas próprias guerras.
Percorro até ao cansaço a o granito da cidade pequena a norte.
Lembro os campos que a abraçam e o mar que a banha e ouço-lhe os murmúrios como se meus próprios gritos se tratasse. Os gritos que algumas vezes lhes depositei e que agora me devolvem como uma maldição esperada.
Aqui bebi o vento e alcancei a alma e me perdi, aqui comecei e me terminei, aqui me entreguei para tornar a partir. Aqui, neste vento que me acompanha, está a génese de que sou feito e que tantas vezes desejei partilhar.
Percorro calado as ruas frias…
O filme dos dias inundam-me a memoria e toldam-me os olhos em interrogações que lanço no espaço e que me impedem de ver.
Percorro calado, lentamente as ruas frias, procurando em vão as mãos que, outrora, na tarde dos tempos, se abrigaram nas minhas.

2 comentários:

Anónimo disse...

" a paixão tem uma filha
que se chama saudade
eu sustento mãe e filha
bem contra minha vontade"

Anónimo disse...

"Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim."
Carlos Drummond de Andrade