Quando nasci, roubado ao ventre de minha mãe,
O dia foi simplesmente igual ao dia.
Tudo inalteravelmente de passagem como tempo.
Chorei como choram todos os que ao mundo são lançados,
Por fado ou por maldição divina, não sei.
È esta a minha essência: nascer chorando em cada gargalhada.
Lisboa que me acolhe e em sua luz me recorda os portos de outrora,
Quando corria pelos jardins, ou montava aquela bicicleta amarela.
Não, não me urge a saudade, nem me assalta a esperança desse tempo.
Cada cousa é na outra destinada e aqui me contemplo em anos vividos,
Sonhados…sonhados sobretudo.
Cresci vendo a natureza na linha continuada de mim.
Uma flor ou um dia de sol são o reflexo do mesmo sorriso que largamos ao vento.
A chuva, as grossas lágrimas de mar que nos lavam a alma.
Tudo é uno, separadamente uno, como unas são as mãos que me não abraçam
Cresci sim em tempo e desgraça e riso e pranto e tudo o que á humanidade reclamei.
Banhei-me em águas santas e fiz da ilha minha morada, eternamente!
Sim, sou louco! Mas consciente dessa loucura a que chamam sem senso.
Ao longe recordo-lhe os olhos de mel que em silencio me chamavam,
Com os mesmos passos calmos com que chegava e com que partiu.
Esqueci já em mim aquela manhã em fui parido em torrentes de sangue,
Recordando o rio salgado onde me perdi.
Sou hoje uma virgula no paragrafo do tempo, um apontamento de rodapé,
Neste desvario de vontade e saudade e desencanto.
Ignoro o passado, desconheço o presente e urge-me a doce lembrança do provir.