quinta-feira, fevereiro 11, 2010

Genesis

No início era o verbo!

E o verbo se fez beijo.

Do beijo se fez êxtase.

Em êxtase nos fizemos carne.

Em santo pecado desnudada

Pela palavra bebida e recitada

No principio era o verbo,

Do verbo nos fizemos espírito,

Do espírito nos fizemos vento.

No princípio era o verbo.

E o verbo se fez saudade!

No principio, muito antes de nos rasgarmos

Inumanamente como dois condenados,

Era o verbo!

Esse verbo feito pretérito mais que imperfeito,

De gerúndios improváveis,

Desconjugado naquele fim de tarde,

Na hora de todos os desvelos,

Quando nossas bocas gramaticalmente se decompunham

Em múltiplos tempos de uma mesma língua

Em onomatopeias mudas...

No princípio foi o verbo

E no fim também…

segunda-feira, fevereiro 08, 2010

Mediavida

A la medianoche,

Entre las nieblas en el camino,

Se quedó desnudo el beso.

Desnudo y solo.

Desafortunadamente solo y desnudo.

No más que dos labios fríos,

Esperando la boca que no llegaría jamás.

Partió así el beso,

Orfano de pasión,

Parindo palabras.

Uma biografia

Quando nasci, roubado ao ventre de minha mãe,

O dia foi simplesmente igual ao dia.

Tudo inalteravelmente de passagem como tempo.

Chorei como choram todos os que ao mundo são lançados,

Por fado ou por maldição divina, não sei.

È esta a minha essência: nascer chorando em cada gargalhada.

Lisboa que me acolhe e em sua luz me recorda os portos de outrora,

Quando corria pelos jardins, ou montava aquela bicicleta amarela.

Não, não me urge a saudade, nem me assalta a esperança desse tempo.

Cada cousa é na outra destinada e aqui me contemplo em anos vividos,

Sonhados…sonhados sobretudo.

Cresci vendo a natureza na linha continuada de mim.

Uma flor ou um dia de sol são o reflexo do mesmo sorriso que largamos ao vento.

A chuva, as grossas lágrimas de mar que nos lavam a alma.

Tudo é uno, separadamente uno, como unas são as mãos que me não abraçam

Cresci sim em tempo e desgraça e riso e pranto e tudo o que á humanidade reclamei.

Banhei-me em águas santas e fiz da ilha minha morada, eternamente!

Sim, sou louco! Mas consciente dessa loucura a que chamam sem senso.

Ao longe recordo-lhe os olhos de mel que em silencio me chamavam,

Com os mesmos passos calmos com que chegava e com que partiu.

Esqueci já em mim aquela manhã em fui parido em torrentes de sangue,

Recordando o rio salgado onde me perdi.

Sou hoje uma virgula no paragrafo do tempo, um apontamento de rodapé,

Neste desvario de vontade e saudade e desencanto.

Ignoro o passado, desconheço o presente e urge-me a doce lembrança do provir.

Fantasma mudo

Vens incógnita ao fim da tarde despedir-te das palavras e roubar um beijo,

Como dantes os roubaste á beira Tejo onde esperávamos as musas

Incógnita, não já fantasma, mas espírito da própria maldição.