segunda-feira, setembro 29, 2008

Hoje sinto-me miseravelmente despojado de prazer!
Veio ter comigo a verdade já há muito suspeitada
De uma alma sem voz e olhos de saber ver
O quanto á mentira foi desvendada.
Em gozos pereci e em vossas bocas fui ultrajado
Mas dos vossos pecados, renascerei justificado.
Vis e tristes dedos que me condenaram
E que vossa reles essência revelaram!

domingo, setembro 28, 2008

“Sou um fantoche do destino”*
Neste caminho de ilusões me encontro e atenuo
Destino onde pereço e me desnudo
Onde em desatino desfaleço.
Ah queria sentir o quente do humano ciúme
Perder-me nesse amado queixume
Que nos indica o querer e desejo amado
Mas fantoche já sou e recusado,
Fui por desprezo e vã memória desdenhado.
Quis não mais que as palavras trocadas e partilhadas
Em noites com silêncios entrecortadas,
Naquele beijo que a boca sedenta desejava
E o corpo de paixão e prazer implorava.
Fui do destino um simples nada
Naquela hora em que nada mais almejava
Que ter em meus braços a coisa amada
E em seus ouvidos a minha magoa escutada.
Mas para longe partiu em riso de gozo e em braços levada
Tapando o entendimento ao desejo que a chamava.
Não mais ideias entendidas em noites de crescimento
Não mais palavras e troca de sentimento.
Que é vã seu querer e fraco alento,
Por outros tido em sofrimento.
Outros são quem lhe alimenta a razão
Que lhe beijam em falsas promessas o coração,
Quem mundanamente, lhe entrega falsa ilusão.
Assim me deito neste destino desfadado,
Em que em negra noite fui recusado,
E jamais em seus braços sepultado!

*William Shakespeare in "Romeu e Julieta"

quarta-feira, setembro 24, 2008


A poesia foi ter com ela e ela sorriu!
Alguém notou o sorriso escondido, adivinhou-lhe a loucura o desvario.
Chamaram o director, terapeutas, jornais e TV’s.
A todos com o mesmo sorriso acentuado respondia:
-Foi a poesia!
Vieram os programas em directo, as entrevistas, explicações.
-Que a poesia não faz sorrir somente, amachuca corações!!!
E quanto em mais a poesia falava
Mais o sorriso se lhe acentuava.
Vieram críticos, comentadores e um show especial.
Claro que, em horário nobre e a nível nacional.
Uns que sim, outros que não,
Doutos todos nestas coisas da razão!
Reconheceram-lhe a luz do sorriso o altivo porte,
E com circunspecto ar ditaram-lhe a sorte.
-Que parem as rotativas, venham fotógrafos e maquiagem.
-Encontramos a personagem, para a novela em rodagem.
E assim nasceu uma estrela brilhante
Naquele breve e inesperado instante
Em que, por graça ou obra de Mercúrio esvoaçante,
A poesia se deteve um instante!
Hoje é famosa, rica, deslumbrante.
Senhora respeitada e proximamente distante.
Casou com um soneto importante e influente.
E felizes foram para todo o sempre.
(sendo o soneto seu agente com comissão de tabela)
E assim acaba esta estória singela
De uma moderna Cinderela.

segunda-feira, setembro 22, 2008

Navegar foi preciso!


Foi nas ondas desse teu olhar povoado de sereias e monstros,
Que me afundei quando ao seu chamamento acedi.
Parti sem medo, deixando porto seguro buscando o tesouro prometido,
As águas calmas que me prometeram fogo e frio.
Navegador não sou, marinheiro não fui,
Eu que somente fui ensinado a admirar esse mar infinito.
Encalhei, lutei contra ventos e tempestades em busca desse mar sem fim
Sem inicio onde me perderia em míticos cantos.
Mas o destino é cruel e mais cruéis as ondas que guiaram.
Não soube navegar á bolina e perdi-me de destinos.
Os olhos feitos estrela guia, fecharam-se impiedosos.
Outros barcos, outras naves atingiram esse mar de Sargaços.
Quedei-me eu neste triângulo das Bermudas onde pereci.
Eu que, de porto seguro parti, rumo ao sonho de aguas calmas
Esquecendo (ou querendo esquecer, nem sei) que nada sabia de navegação,
Nem tão pouco conhecia as ondas do mar dos teus olhos,
Onde me perdi!

domingo, setembro 21, 2008

Filha do Profeta

Tens o nome de filha de profeta e de dádiva.
Foi em teus olhos que me encontrei para me perder.
Foi no aperto do abraço esquecido onde fui morrer.
Tens na boca o doce fel da palavra não sentida
Onde tantas vezes me refugiei do vento e do frio
Para somente encontrar o gume afiado de um beijo!
Ah, aquela festa carregada de fantasmas em desalinho
Que, em noites de Sabbath me enfeitiçaram.
Aquele dia de aniversário de ilusões e memórias!
Tudo em vão e tudo perdido.
Aquele sorriso adiado e aquela ausência desmedida,
Que em outro peito se aninha já em desvario de mentira.
De ti bebi até á embriaguez de todos os sentidos humanos e divinos,
E agora, nesta ressaca de vexame onde me encontro,
Grito aos deuses minha memória!

Sono


Deixem-me dormir com os sonhos em comunhão!
Não me acordem que não quero me levantar deste recanto do sistema!
Não quero enfrentar a multidão.
Não me apetece escrever nenhum poema!!!

Recado escrito na vidraça


Cai o silêncio!
Invade-me a existência esta sensação de raiva, que desprezo.
Queria sangrar-me em novo néctar transformado.
Mas aqui me encontro neste vale de escombros,
Nesta rua imunda de humana trampa e sonhos esventrados.
Não fui mais que um humano desvario em convulsão,
Uma vã ilusão que se desfez como a neve no primeiro sol de verão.
Ao menos ela alimenta plantas e flores.
Mas eu que fui o que não quis ser nada mais fiz que me afogar no próprio desalento.
Nasci despido e sujo e em pranto de previsão do que o futuro me reservou.
Iludi-me com o sorriso estendido e com o doce veneno,
Em taças de prata servido.
Embriaguei-me naquele vale de quente cheiro e insane repouso.
Tudo em vão, com em vão foram os quereres acalentados.
Tudo miseravelmente em vão, miseravelmente esquecido
Miseravelmente recordado e que me incendeia a alma e a física.
Dirão os mais doutos das humanas vontades, que fui filho de mim próprio.
Que nada tenho a reclamar e tudo devo aceitar
Com a plácida passividade do cordeiro de sacrifício.
Recuso pois vossas teorias e escárnio e riso de hienas sedentas de sangue.
Ergo-me lentamente acima das vossas cabeças ocas de esperança
Retiro-me debaixo desses vossos pés nus que me calcam.
E riu com o mesmo desprezo com que brindaram a minha queda.
Serei, não mais eu, o ignorante boneco que em vossas mãos serviu de gozo
Em vossas bocas serviu de alimento em rituais de canibalismo de sentimentos.
Não, não voltarei a vossos braços que me roubaram o sonho
E dele fizeram vosso troféu igual a tantos mais.
Serei, morto ou vivo, digno do abraço que para mim estará guardado
Para alem do espaço e para alem do tempo.
A vós, pseudo-santos cegos e mudos, a minha piedade!

sábado, setembro 20, 2008

Raiva muda

Não entendo nada da realidade nem da metafísica.
A minha ideia de mim mesmo é torpe.
Como torpe são os passos num caminho que não vislumbro.
Quero dos sentidos a humana sensação de estar vivo,
De olhar cada homem meu irmão e sentir-me inteiro.
Vêem como nada conheço da realidade?
Que palpável emoção posso, neste nada que me sublima?
Nos sonhos escritos na areia da memória que o vento apagou?
Ah porra, não me dêem lições de anatomia transcendental.
Não me vendam ilusões que a única ilusão é a morte!
Querer mais do que ao humano destino é destinado?
Não, não me tragam vis lições de moral,
Vos que tão vis foram e mais vis vivem abaixo dos céus.
Quero a sentir a humana paixão.
A ilusão de a merecer e nela me consumir até ao último fôlego de vida!
Perder-me por veredas em planícies frias e disformes,
Carregadas de Rosmaninho e Madresilvas e Alecrim silvestre.
Quero aquele riso quente num fim de tarde inverno,
Misturado com quentes cheiros e ensurdecedores silêncios.
Quero as páginas do velho livro onde renasço e pereço!
Ah, a mortalha daquele corpo onde humildemente me fundo.
Não, não me tragam ensinamentos das vossas fúteis vaidades.
Intolerância, na vossa pseudo castidade parida e esconjurada.
Serei morto ou vivo mas em minha carne reconstruído,
Em minha alma abençoado e amarei até ao infinito.
Não, nada entendo da realidade nem da metafísica,
Que a única realidade é o leito desse peito que anseio.
E a metafísica, o sono perene em que me deleito.

Sonho

Foi no breve instante que nossos olhos se cruzaram,
Que soube a imensa distancia que nos unia.
Não me detive no olhar que meus olhos pediam,
Não soube aceitar a recusa que teus olhos impunham!
E, com isso me reconstrui e destronei,
Deste reino de sangue e carne de que fui parido.
No breve instante em que os meus olhos pediram
O beijo jamais alcançado,
O abraço em que não nos fundimos.
E, assim, acordei estremunhado,
Pelo sonho pela realidade recusado!
Deixo-te pois partir por esse caminho já traçado,
De medos e alegrias marcado.
Aqui me quedarei naquele breve instante,
Em que meus olhos, nos teus, um porto encontraram
Na doce ilusão de uma chegada.
Na penosa certeza da partida!

segunda-feira, setembro 15, 2008

Imaginação

Em tua boca me fiz brasa em beijo desejado!
Em teu corpo me fiz paixão e de pudor despojado!
Tudo tive e nada alcancei em minha humanidade pungente
Tudo entreguei, para me apresentar vazio de gente
E cheio deste material cósmico e mortal que sou!
Viajei para os recantos sórdidos onde a alma me levou.
Fui feliz naquele breve sonhado instante, em que de repente
Em teu ventre, me desfiz em sal e pranto e semente!
Ah! sonho sonhado desconcertante que em solidão se alimenta,
E do sonho, sonhado se transforma em vazio de tormenta.
Ah, antes mil vezes escarnecido e olvidado pelos céus,
antes de ver teus olhos partirem dos meus!

Pergunta

Onde se perde teu olhar?
Onde se perde para que buscando em desatino o possa encontrar?
Para que sem destino traçado me possa nele perder?

Vazio

Queria escrever um poema, uma dedicatória, algo simples!
Queria poder dizer o que os teus olhos talvez falem em silencio e em esquivas investidas.
Queria somente poder olhar o teu sorriso sem invadir teu espaço, como a criança que espreita pelo buraco da fechadura do quarto secreto.
Mas a vida tem tantos lugares escuros onde me busco, que me esqueço somente de querer.
Faltam-me as palavras que guardo para mim. Falta-me o desejo que se me acende o rosto quando me olhas infinita. Falta-me somente a humanidade reconhecida.
Queria mesmo escrever-te um poema mas, alem de não ser poeta, tu roubaste-me a poesia!

terça-feira, setembro 02, 2008

Estória quase infantil

Queria que entrasse pelas minhas portas abertas, aquele ser em aguas santas brotado. Poderia entrar e ver reflectida nas minhas entranhas feitas de nada, a sua imagem mil vezes reflectida, outras tantas desfocada.
Poderia entrar feito criança e tocar nos sentimentos, ve-los feitos de luz e trevas, de cor e negro. Poderia brincar e rir com a tenues plantas destes jardins interiores.
Queria sim a criança feito fêmea feito fome, que me entrasse e com seus olhos de mel me visse, puro e quedo, de braços abertos no vazio esperando. Que se aquecesse do frio da rua e da neblina, que se prostasse neste fogo que arde e me queima. Queria-te criança feito mulher em minhas profundesas inabitaveis que desconheces.
Depois, quando o sono a tomasse em seu braços de veludo, poderia dormir na calma do meu coração, embalada com as suas batidas, que são o ritmo do seu respirar.
Queria que entrasse, somente um instante e visse, quem habita este meu reino e subisse ás muralhas do castelo.
Queria ser seu guia cego e mudo, levado por sua mão de veludo e que, em cada canto, descobrisse no meu ser, em sua imagem de criança. Que meu coração tem a forma do seu corpo! A musica da sua voz, a verdade do seu desejo!

Surpresa

Uma palavra
Somente uma palavra
Um simples mover daqueles lábios de mel
com cheiro a terra molhada.

Um gesto simples,
uma redenção.
E aqui, carne e sangue, me teria
Pronto, erguido, torto
Para o caminho que das pedras
se faria algodão!

segunda-feira, setembro 01, 2008

Travesia

Olhar perdido no rio, como duas perolas negras. Adivinhando a sorte e sorrindo, tremula de frio ou de medo, não sei.
Tenra idade coberto pelo seu corpo de criança. Abraçava o homem como que se despede do destino rumo á outra margem.
Em silencio entraram. Ela e a outra de olhos cor de terra e vazios de multidão. Olharam-se e naquele instante ambos mundos se cruzaram. Uma pedindo á outra a segurança de um sorriso, a certeza de ser levado á outra margem.
O barco partiu torturando ondas, que o destino sempre assim é. Para que se avance há que cruzar tempestades. O silencio cortado por palavras breves, ancoras naquele barco de fim de tarde.
Ah quem me dera o vosso cumplice silencio, quem me dera a certeza daquele abraço ao chegar á outra margem!